Violência Urbana I - Capítulo 08 - Sombra do Medo

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Capítulo 08 de 09
"A Sombra do Medo"
Gabo Olsen


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Este conto foi inspirado em fatos reais.
O olhar esconde grandes segredos, opressões, medo. Eu sofria calada na minha infância. Quem poderia imaginar que dentro da sua própria casa moraria o perigo? Eu me chamo Júlia, tenho 17 anos e estou terminando o terceiro ano do ensino médio. Nunca conheci meu pai, ele foi vítima de um assalto e, ao se defender o bandido não pensou duas vezes e atirou no meu pai. Já a minha mãe, conheceu o Antônio, um frentista que se apaixonou por ela e aceitou cuidar de mim. Na infância, por volta dos meus 11 anos, enquanto a minha mãe trabalhava como faxineira na vizinhança, o Antônio consertava aparelhos eletrônicos em casa e a noite trabalhava no posto. De vez em quando, ele entrava no meu quarto, me observava e brincava comigo. Ele me pegava no colo e me acariciava, eu achava normal, mas um dia ele me pediu para tirar o vestido, eu recusei e sem repetir a pergunta, o Antônio ergueu o meu vestido a força, baixou a calça dele:

- Hoje você vai virar mocinha.
- Como assim? O que você vai fazer? - eu respondi, apreensiva.
- Você já vai saber.

Ele se aproximou de mim, retirou o resto da minha roupa e a pior sensação da minha vida aconteceu. Eu gritava, e ele falava para eu calar a boca, se não ele iria me dar uma surra.

- Escuta aqui, menina, se você contar o que aconteceu para a sua mãe, eu te mato. Você entendeu?

Eu estava em choque, não conseguia responder. Ele deu um tapa no meu rosto.

- Você entendeu, Júlia?
- Sim, entendi. Eu não vou falar nada.
- Muito bem. Agora vá tomar banho e volte a brincar.

Durante o banho eu chorava sem entender o que estava acontecendo. A partir deste dia o medo passou a fazer parte da minha vida. Ficar em casa na presença do meu padrasto passou a ser um pesadelo. Quando minha mãe chegava do trabalho, o Antônio sempre me observava para ver se eu falaria algo. Eu estava perdida, sozinha, sem poder pedir ajuda para alguém. Minha fuga foi gritar no travesseiro, desta maneira ninguém me escutava. Ao levantar eu alcancei meu diário e resolvi desabafar, coloquei no papel tudo o que eu estava sentindo.

Certo dia, na sala de aula, a professora passou uma lição e pediu que cada aluno lesse individualmente um texto. Ao passar pelas carteiras para conferir a atividade, ela parou na minha frente e viu uma marca no meu braço, eu rapidamente escondi com a blusa de frio.

- O que é isso Júlia?
- Não é nada, professora.
- Eu vi a marca. Não tem nada que você queira me dizer?

Eu fiquei em silêncio por um instante. A voz do Antônio me ameaçando ecoava em minha mente:

“Se você contar para alguém eu te mato, menina”.

O meu pensamento foi invadido com a voz da professora.

- Júlia, você não vai me responder?
- Anteontem acabou energia lá em casa e eu bati na cômoda. - respondi, nervosa.
- Certeza que foi isso? - perguntou desconfiada.
- Sim, professora.

Ela me encarou e seguiu seu rumo. Respirei fundo, abaixei a cabeça.

- Essa foi por pouco.

Durante o intervalo a Cidinha sentou do meu lado e entreguei um pedaço do meu lanche à ela.

- Obrigada por dividir o lanche comigo. Ontem eu nem jantei.

Enquanto comíamos o lanche, eu observava as crianças se divertindo. Fechei os meus olhos e a imagem do Antônio abusando de mim veio como um pesadelo. Eu dei um grito e a Cidinha se assustou.

- O que foi, Júlia?
- Não foi nada.

Por um descuido eu puxei a blusa e ela viu a marca.

- De novo essas marcas, Júlia? Alguém te bateu?

Eu fiquei sem reação. Minha vontade era desabafar, gritar, colocar pra fora, só que o medo do Antônio era maior.

- Júlia?

Uma lágrima escorreu do meu rosto. Eu tentei controlar o choro, porém foi impossível.

- Eu não aguento mais.
- O que houve? - Cidinha perguntou preocupada.
- Eu não posso falar, me desculpe.

Eu saí correndo. A Cidinha veio atrás.

- Júlia, confia em mim. Me fala o que aconteceu.
- Você precisa me prometer que não vai contar a ninguém.
- Eu prometo.

Sem saída e precisando colocar tudo pra fora, eu contei pra minha melhor amiga. Ela ficou horrorizada. No dia seguinte o meu mundo desabou. Fui surpreendida com a mãe da Cidinha e a professora me interrogando. Eu chorei e falei pra Cidinha que nunca mais falaria com ela. A professora chamou minha mãe e o meu padrasto. Ele negou todas as acusações.

- Essa menina é louca. Eu nem chego perto dela.

Minha mãe me olhava com ar de reprovação. Eu fechei meus olhos e todas as palavras que o Antônio soltava eu sentia medo do que aconteceria depois e, assim se concretizou. Ele me bateu no rosto, nos braços, nas pernas, eu chorava, gritava e sem forças, cai no chão. O Antônio me puxou com força do chão, rasgou a minha roupa e novamente eu fui abusada. Tive que ficar com blusa comprida para esconder todas as marcas. Depois desse dia eu fui surpreendida com uma arma, com a qual ele me ameaçou.

- Sua filha da puta, que merda foi aquela na escola? Você acha que vai escapar de mim?

Permaneci em silêncio.

- Nunca. Você ouviu? Você nunca vai escapar das minhas mãos. - gritou

Ele me chutou.

- Você será minha e de mais ninguém. Se você abrir essa boca, essa arma vai direto na tua cabeça. Você só sai dessa casa direto pro caixão.

Essas palavras doeram tanto, minha vontade era morrer, só assim todo esse sofrimento acabaria.

Os anos se passaram e minha mãe nunca acreditou em mim. Sem esperanças de mudar de vida, tentei fugir, fui encontrada, esse ogro sentia prazer em me fazer sofrer; Minha vontade de viver já não existia mais. Ficava deitada na cama, nem passava pela minha cabeça que eu estava com depressão, causada pelos abusos sofridos pelo meu padrasto. O único local que eu tinha confiança era quando eu desabafava no meu diário.

Aos 18 anos, cansada de sofrer, eu bolei um plano. Falei pro Antônio que eu precisava levar o Doug ao veterinário. Ele aceitou ir comigo. Na clínica, eu fiz o check-in e pedi para o Antônio ficar com o Doug na sala de espera enquanto eu ia ao banheiro. Na recepção, eu entreguei uma carta às recepcionistas. Elas perceberam que eu estava com as mãos trêmulas. Rapidamente eu saí do local e voltei à sala de espera. Quando as recepcionistas leram a carta elas perceberam o perigo:

“Chame a polícia, eu sofro abuso há mais de 5 anos e não aguento mais. O meu padrasto está com uma arma. Por favor me ajudem.”

As recepcionistas entraram em ação. Os minutos pareciam horas e o meu receio de tudo dar errado era grande. Um tempo depois, os policiais chegaram e foram até à sala e intimaram o meu padrasto. Ao erguer a camiseta dele encontraram a arma. Ele olhou em meus olhos e aquele olhar fez com que um filme passasse em minha mente mostrando tudo o que eu sofri. Em seguida, ele saiu da sala, nesse instante eu chorei, ergui minha blusa e mostrei os machucados para os policiais, abri a bolsa e entreguei o meu diário. Tudo o que eu sofri estava escrito naquelas folhas que me acompanharam nesse período.

Novamente, o tempo passou, as sequelas ficaram, à noite eu tenho medo dele aparecer a qualquer instante. Já não moro mais com minha mãe, to bem distante, sem endereço, sem rumo, deixei para trás tudo o que me fez sofrer, não será fácil me reerguer, no momento nem quero pensar nisso, só quero tentar fugir do medo que me persegue a todo instante, será que eu vou conseguir? Acho difícil. No fim lembro que eu consegui ajuda, então pode ser que um dia eu consiga construir minha família e levar a vida, porque a paz eu nunca vou encontrar. A imagem daquele ser nunca vai sair da minha mente. Esse será o pesadelo que vou carregar para sempre. O Antônio será a sombra do medo.



conto escrito por
Gabo Olsen


produção
Bruno Olsen
Cristina Ravela


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.

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