A Cobrança - Conto

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A COBRANÇA


Conto de
Cristina Ravela

Conto em 5 atos




© 2019, CyberTV.
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* PARTE 1 – O ESTRANHO SONHO *


Fôlego quase zero. Coração a mil. A única coisa que eu precisava era alcançar aquela maldita janela, correndo como se o mundo fosse acabar a qualquer momento. O problema era o barulho dos meus passos naquele chão de metal. As paredes frias, com tubulações sinistras e um estranho vácuo saía de suas entranhas. Ele estava atrás de mim. Senti o bafo da criatura horrenda no meu cangote.

Não era humano. Era um ser de dentes enormes e afiados, nuca alongada, braços que se estendiam até o chão e unhas pontudas. Nunca na vida vi algo tão assustador a me olhar com olhos grandes e vermelhos.

Saltei a janela ouvindo o grito daquele bicho de outro mundo rasgar o ambiente inóspito. Deslizei pelo chão escorregadio e me ancorei em uma portinhola de ferro no piso. Sem saída, ou eu caía na escuridão ou era devorado. Espiei um estranho relógio no alto da parede marcar meia-noite. A criatura arreganhou a boca em minha direção. Foi quando me joguei.

Caí no vazio e despertei no meu sofá.


Mais um pesadelo para esquentar minhas noites de primavera. Acordei suado e sozinho, ouvindo Shinedown com a mesma atenção que dispensava aos meus amigos.

Eu não tinha amigos, verdade. Ninguém conseguia ser amigo de quem delirava ao som de “Devil” e sonhava com invasão alien.

O cair da noite me excitava, porém, sentia que mergulhava em meu vazio interior. O pesadelo talvez fosse minha vida. O abismo era esse vazio, e a criatura horrenda o meu passado desastroso.

Eu morava sozinho em um apartamento alugado. Cômodos pequenos, do tipo que um pé pisava na sala e outro na cozinha. Era o suficiente para mim e meus pensamentos.

A lua apontava no horizonte, pelo vidro da janela. Parei a música, me levantei e fui até o banheiro. Amarrei meus cabelos pretos em um coque samurai, dei uma conferida na minha barba que escondia a má diagramação do meu rosto. Nunca entendi porque saio diferente nas fotos, se no espelho sou tão sexy que até eu me seduzo. Enfim, a noite estava apenas começando.

Visualizei a mensagem no meu celular e, sem responder, apanhei o molho de chaves e saí.


* PARTE 2 – OSSOS DO OFÍCIO *


Perambulei pelas ruas com as mãos no bolso e pensativo. Avistei uma luz ao longe e uma cantoria desafinada. Cheguei num bar. Um cara bêbado tentava chegar ao fim de uma música, uns outros jogavam sinuca (enquanto eu tentava me desviar daqueles tacos), e outros falavam de assuntos fúteis. Se o assunto não for falar mal dos outros, eles nem sairiam de casa.

Aproximei do balcão e, após dar uma visualizada no teto mofado pelo vazamento, fiz o meu pedido: “um guaraná”.

Imediatamente, uma mulher loira, olhos azuis, na faixa dos 30 anos se aproximou de mim. O olhar misterioso era convidativo, mas reparei bem mais em seus ombros fortes. Tenho paixão por belos ombros. Eu não sabia se bebia o guaraná ou se espiava as curvas daquela mulher em seu jeans colado ao corpo.

Foi então que um sujeito alto e bigodudo apareceu entre nós. Tentei não cruzar os olhos, mas infelizmente pude percebê-lo me fulminando no olhar.

Aí, me vê mais uma bebida de macho!

O barman trouxe uma cerveja. E eu continuei na minha.

A noite tá quente, não? – perguntou o sujeito pra mim, enquanto deslizava a mão na voluptuosa bunda da loira – Vai uma aí?

Eu olhei pro sujeito. Moreno, testa franzida, rugas por toda a extensão do rosto. Devia ter uns 48 anos, mas eu dou 60 pelo nível alcoólico que ele ingeria.

To seguindo recomendação médica. Um amigo meu perdeu o fígado semana passada.

A naturalidade com a qual falei deixou o sujeito bigodudo em silêncio. Eu disse que não tenho amigos, não? Pois é, mas o fígado ele perdeu mesmo. Em outra ocasião.

De repente, o bêbado que tentava cantar, engasgou. Eu não pude deixar de rir.

Como alguém tem coragem de cuspir um clássico desse?

O sujeito bigodudo deu um gole rápido naquela maldita bebida e respondeu secamente:

Ele é meu irmão.

Jura? Azar o seu ou dele?

Você tá gozando com a minha cara, né?

Faz um tempinho que não gozo – eu disse assim, devolvendo um olhar voraz para a mulher.

Ele jogou o copo com força no balcão que chegou a trepidar as mesas. “Briga, briga”, alguns clamavam.

Tu tá paquerando a minha namorada, seu filho da mãe?

Eu disse que não, claro. De bobo eu só tenho a cara. Mas não pude deixar de salivar ao fitar aqueles ombros.

Você sabe quem eu sou?

Eu deixei escapar um sorriso de escárnio.

Não sabe, não é?

Não deve ser ninguém importante pra estar aqui enchendo a cara, eu disse, convicto de que ia apanhar.

Porém, não deixei ele falar mais nada. Não dei chance. Espiei o relógio na parede: poucos minutos para a meia-noite. Paguei o que bebi e dei as costas.

Algumas pessoas tentaram segurá-lo. Saí e fui me afastando daquele bar, com as mãos no bolso da calça, cabeça baixa e uma seriedade que me deixava mais sexy, com certeza.

Ouvi, então, os tropeços daquele sujeito. Corri e me afastei o máximo. Parecia que um vazio havia se instalado naquele cenário obscuro e deserto. Virei uma esquina, e alí fiquei esperando o sujeito bigodudo aparecer. Não tardou para que ele entrasse na esquina e apontasse a arma dizendo ser da polícia. Ele falava ao vento, pois não me viu atrás do arbusto.

O cara nem se aguentava em pé e não conseguia mirar aquela pistola o qual mantinha em mãos. Foi fácil. Coloquei o pé na sua frente e o sujeito caiu de cara no chão. Em seguida, chutei a arma.

Você parece com problemas, amigo.

O sujeito tentou me acertar um soco, mas eu desviei. Observei um chevette virar a esquina em alta velocidade – à meia-noite, todos os gatos são pardos e irresponsáveis. Ninguém te ouve e te vê na escuridão. Quando o sujeito mandou que eu o largasse, eu atendi prontamente e o empurrei contra o asfalto. Ouvi seus ossos se quebrarem diante do baque, um misto de esmagamento com jorro de sangue. O canto dos pneus era ensurdecedor. O sujeito bigodudo rolou o asfalto numa maestria de dar inveja a qualquer dublê de cinema. Creio ser bom nisso.


* PARTE 3 – O CLIENTE *


Fiquei na calçada, olhando o chevette preto dar ré e parar rente a mim. A janela se abriu, e eu espiei para dentro dela.

Meia-noite em ponto. O senhor é sempre pontual?

Entrei e ouvi Elton John cantar Daniel no rádio do carro. Depois que eu saí da clínica de reabilitação, achei que nada mais poderia arrebatar meu peito, mas Elton John tinha esse dom. Uma melancolia estranha me fez lembrar do dia que vi meu pai morto. Ele parecia dormir sobre a mesa fria do necrotério, de olhos abertos e empedrados. “Your eyes have died but you see more than I”, cantarolava Elton John.

O sr. Oliveira me olhava como a contemplar meus olhos grandes e a minha barba desalinhada. Ele é um homem negro, forte, 50 anos de uma história que não conheço e nem pretendo. Cabelos pouco grisalhos e rosto de poucas rugas. Surgia e desaparecia com maestria, de tal forma que eu me perguntava o porquê d’eu estar alí, executando crimes a seu dispor durante 6 meses.

Sr. Oliveira não gostava de perguntas pessoais. Parecia carregar o ódio em seu semblante fechado. Se eu me atrevesse a guardar ódio, envelheceria 5 anos e perderia 3 quilos. Por isso, acho mais seguro matar.

Você foi excelente, Benjamin, ele me elogiou. A Tina vai receber a parte dela.

Tina era a tal mulher de belos ombros. O dinheiro seria dado a mim para fazer a entrega. Sr Oliveira nunca aparecia durante o dia. Costumava dizer que fora vítima de emboscada e que agora quer vingança. Ele tinha uma grande marca no pescoço. Não quis perguntar se foi traqueostomia, mas o corte não parecia médico.

Eu preciso que você faça um despacho amanhã, Benjamin. À meia-noite.

Outra peculiaridade do meu cliente era que todos os crimes fossem cometidos durante a hora morta. Já morreu o José, dono da mercearia. Levou 3 balaços no peito, mas achei legal queimar o corpo dentro do carro dele. Vi isso em CSI e quis copiar; o Luan, metido a empresário de TV, mas era só um diretor de filme independente. Sabe aquela expressão “vão comer seu fígado?”, então...após tomar umas balas nas fuças, seu fígado foi arrancado para servir de transplante ao filho do sr. Oliveira. Ninguém comeu na verdade; Adalberto, funcionário público e frequentador assíduo do bar do bigode. Sim, o bar do bigode onde estive para executar a última vítima – Jorge, o bigodudo. Meu cliente disse que são 6 no total, mas que a última vítima seria especial.

É só me passar o nome e endereço.

Creio que esse você conhece. Haroldo Pires, seu amigo de infância.

Eu tinha medo do sr. Oliveira; ele conhecia meus passos, gostos e amigos. Eu disse que não tinha amigos, né? Mas é que o Haroldinho era meu primo e ninguém sabia disso. Parentes são amigos também, mas a gente finge que é só amigo por uma questão de estratégia, afinal, parente não serve como testemunha.

O senhor tem problemas com o Haroldinho? Sempre achei aquele garoto um palhaço.

E é – respondeu ele, fitando-me com aqueles olhos fúlgidos –, mas palhaços me tiram do sério.

A mim também, concordei. A propósito, concordo com tudo que me disserem, e quando me convém. Discordar provoca animosidade e, na pior das hipóteses, a morte. Só o faço em situações que obrigam. E quando me pagam.

Sr. Oliveira dirigia seu carro pela noite adentro, mantendo o olhar fixo a sua frente. A maneira como ele deslizava pela pista, tão suave e, ao mesmo tempo rude, trazia-me lembranças.

O José, dono da mercearia, costumava fechar a loja lá pras 23 horas. Era mercearia e bar, com música alta e gente falando besteira. Os assuntos eram dos mais diversos, desde falar mal de político até falar mal da mulher dos outros.

José tinha uma mania que me irritava: atendia sempre com uma bituca de cigarro apagada no canto da boca. Dizia que estava parando de fumar, por isso a maluquice. Era um tipo magro, seco, nem parecia ter 42 anos aquele filho da puta. Coincidência que naquela noite ele errou meu troco e insinuou que eu estava de malandragem. Era a noite de sua morte. Saí humilhado. Jurei que não voltaria lá. Ninguém voltou. Esperei ele fechar a merda da mercearia dele. Parei o carro que o sr. Oliveira me emprestou e ofereci carona. Nem esperei ele aceitar. Arrastei o sujeito mostrando minha 38.

José se borrava de medo. Levei o carro até um cantão deserto. José fingia não entender, disse que me daria o que eu quisesse. Quase tirou a grana da carteira. Ele não se deu o trabalho de me pedir desculpas pela humilhação. Não o salvaria da encomenda, mas me deixaria menos irritado.

Parei o carro e mirei minha 38 no peito dele. Tive a impressão de que ele ia pedir desculpas, mas os 3 balaços que disparei camuflaram suas palavras. Dirigi o carro até uma ribanceira, espalhei álcool – comprado na mercearia dele – e risquei o fósforo.

Ele me pregou um susto, disse sr. Oliveira, quebrando o silêncio – eu podia estar bem hoje. Foram anos para conquistar meu lugar e ser respeitado. Você sabe o que é isso? Não sabe…

Ele não falou mais. Foi um rápido desabafo. Parou o carro no meio da estrada e pediu para eu descer. Haroldo Pires era a minha próxima vítima.

* PARTE 4 – HAROLDO PIRES *


Cheguei na casa do Haroldinho por volta das sete horas da noite. Passei o dia pensando numa forma criativa e suave de matar o meu primo. Quando se trabalha num escritório de contabilidade, com apenas uma janela e na companhia do cheiro insuportável de cigarro exalando do chefe, sua criatividade se torna sua arma em potencial. Já pensei em formas de matar meu chefe, mas lembrei que não tem ninguém me pagando pra isso.

Haroldinho fazia café aquela hora. Uma coisa que eu não suportava era o estranho fuso horário dele. Enquanto eu pensava no almoço, ele ainda estava acordando; quando eu queria tomar meu lanche da tarde, ele almoçava. Sempre detestei ir na casa dele por isso. Cheiro de galinha frita na hora do meu pão com manteiga chegava a ser brochante.

Despacho? – indagou ele, enquanto mexia a xícara – No que se meteu?

É simpatia. – respondi, sonso – Você pode ou não ir comigo?

Haroldinho trabalhava à noite como enfermeiro em um hospital público. Tinha pavor de cemitério, embora o problema não é que seja um local dos mortos, – ele via cadáveres todo dia no necrotério do hospital – mas ele achava que lá era um santuário das almas, que se libertam quando incomodadas. Meu primo era estranho.

Eu preciso de um emprego que não castigue meus pulmões.

Haroldinho ergueu a xícara de café para o meu lado. Recusei. Ele tomou um gole e, a cada goelada ele olhava ao léu, fazendo o reflexivo. Esqueci de contar que ele é fã de livros e séries investigativas.

Uma vez ele cismou de investigar a namorada usando suas habilidades pós Ágatha Christie. A única coisa que ele conseguiu foi alertá-la sobre sua mente doentia. Haroldinho era estranho. Criava cenas em sua própria cabeça, misturava personagens, fantasiava situações que só aconteciam em sua mente. Depois da cena montada, acho que ele brigava no seu mundo paralelo e descontava nas pessoas em seu mundo real. Era um misto de inquietude e raiva, que talvez ele nem percebesse como seu semblante mudava. Suava e tremia as mãos como se estivesse acabado de passar por um constrangimento no qual nem pôde nem se defender direito. E em seguida, agia como se nada tivesse acontecido.

Tenho quase certeza de que ele sofria de algum transtorno, mas, pelo menos, daria um excelente escritor. Todo escritor tem uma veia meio doida ou psicopática que justifica sua criatividade mórbida.

Tudo bem, respondeu ele – só me garante que voltarei vivo.

Fizemos uma pausa. Até ele gargalhar como se tivesse contado a piada do ano. Confesso que gelei. Será que o Haroldinho desconfiou de alguma coisa? Aí eu lembrei que era por isso que eu ia matá-lo. Haroldinho é um palhaço: sem graça alguma.


* PARTE 5 – O COBRADOR *


Faltava pouco para meia-noite, e eu tinha pressa. Sr. Oliveira disse que eu receberia tudo em dobro o que fiz por ele. Nunca contei, mas eu tinha o sonho de viajar para uma dessas cidadezinhas com histórico sobrenatural. Visitar uma mansão mal assombrada, adentrar uma caverna perigosa ou dar um pulo em cidades abandonadas. Eu devo ser estranho também.

Tivemos que saltar o muro para o cemitério. Lancei uma mochila para o outro lado e ajudei o Haroldinho a criar impulso. Meu primo era gordinho, vivia dizendo que na segunda ele começaria a dieta, que daria um rumo na vida dele. Eu estou aqui para dar esse rumo.

Onde tá o material pro despacho? – perguntou ele, analisando minha mochila com olhar crítico e desconfiado.

Eu disse que estava na mochila, mas ele não acreditou.

Tem um ebó aí?

Ebó? – quase dei bandeira – Sim! Muito bem embalado, com carinho de mãe.

Ele não levou muita fé, mas seguimos pelo corredor sombrio do cemitério. Haroldinho olhava os túmulos com certa fascinação, prestando atenção nas imagens dos mortos. Até que parou diante de um deles.

Lembra do Rangel? Aquele filho da puta do caralho?

Eu dei uma olhada na foto do túmulo: era Rangel Oliveira, morto ano passado.

Lembro sim. Você e seus amigos pediram a minha ajuda para matar o coitado.

Rangel era um advogado em ascensão. Trabalhava arduamente para ser o melhor advogado de grandes casos. A esposa grávida, uma vida de glórias por vir. Parecia enredo de um drama policial, um quase sonho americano em terras brasileiras. O problema é que o tal do Luan – aquele metido a empresário de TV – tinha pendências com ele. O cara queria montar um estúdio em um terreno baldio, mas uma construtora barrou, alegando ser dela. O caso foi parar na justiça. Rangel não media esforços para defender seu cliente, e não só venceu o caso, como desmoralizou o diretor de filmes independentes.

Luan, então, pediu ajuda aos seus amigos para matá-lo, porque ele gostava de dirigir filmes pornôs, e não violência. Juntou mais quatro amigos e me pagaram para executar o crime. Eu fingi que era um cliente que perdeu o emprego por reclamar de maus tratos. Levei Rangel para o suposto local onde eu trabalhava. Fingi surpresa quando vimos o local abandonado.

Sabe onde estão seus amigos agora? – indaguei, enquanto abria o zíper da mochila, sem despregar o olho em Haroldinho.

Haroldinho me encarou com uma feição de surtado. Tenho quase certeza de que ele havia criado um mundo paralelo em sua mente e estava prestes a estragar meu plano.

Mortos.

Haroldinho mudou a fisionomia. Suas pálpebras arquearam, suas mãos tremiam, e até sua boca fechada revelava o trepidar de seus dentes. Meu primo, certamente, foi alçado por algum pensamento trágico a respeito de minha conversa. Eu precisava ser rápido.

Você não vai me sepultar! Você não vai me sepultar!

Haroldinho acabou de gritar e voou em meu pescoço. Essas pessoas que criam mundos paralelos em suas mentes são perigosas. Deduzem rápido demais. É assustador!

Lutei para tirar Haroldinho de cima de mim, mas fui salvo por algo sinistro naquela noite. De repente, ele me encarou com uma expressão de dor, de olhos arregalados, uma brecha para eu apreciar seus lindos olhos azuis. Urrou de uma dor causticante, enquanto suava pelas mãos, que mal conseguiam apertar meu pescoço.

Nesse instante, pude ouvir sua pele rasgando. Seu corpo, agora, se sacudia como a sofrer uma convulsão; da sua boca, uma fina linha de sangue escorria, mas não o suficiente para justificar a poça que se formou no chão. Eu não sabia o que estava acontecendo, mas me sentia tão paralisado quanto seu olhar. Até que Haroldinho tombou sobre meus pés.

Então vi suas costas rasgadas da nuca até a lombar. A coluna exposta e alçada para fora. Uma violência que eu nunca havia praticado na vida.

Você gosta de surpresas, Benjamin?

Eu reconheci a voz, procurei em meio àquelas tumbas de onde ela vinha. Até que a figura de um homem se fez na penumbra.

Rangel Oliveira? - olhei para a foto na tumba para ter certeza – O senhor tá morto. Que brincadeira é essa?

Eu perguntei se você gosta de surpresas. – ele indagava, seriamente, me encarando de maneira tenebrosa – Sabe o que acontece quando se constrói uma casa sem coluna? – ele aponta para o pobre Haroldinho – É isso que acontece.

Ele riu, e eu achei que era para rir também. Só achei. Nem ri.

Eu não sei o que aconteceu aqui, mas você não existe, nem to te vendo – eu me negava a acreditar no sobrenatural.

Ora, ora, Benjamin...falta cinco minutos para a meia-noite e mais um trabalho.

Trabalho? – pensei rápido, embora eu ainda duvidasse – Sr. Oliveira? Peraí! Que palhaçada é essa?

A aparência de Sr. Oliveira revelava que ele se materializava diante de mim com outro rosto, a fim de não ser reconhecido da época em que era vivo.

Cinco homens pediram minha cabeça. Não acha justo que agora seja a tua vez, o sujeito que me levou para a morte? Agora é a minha vez de retribuir o passeio.

Não deixei que se aproximasse. Tomado por um medo que só tive na infância, disparei o olhar em todas as direções a fim de encontrar a saída. Ele ria, acreditando em sua vitória. Eu sabia que lutar contra um espírito era uma luta desigual, mas eu ainda duvidava de suas habilidades pós-morte.

Deixei a mochila para trás e corri o mais rápido que podia,

saltei túmulos,

tropecei em qualquer obstáculo.


O vento uivante tornava o cemitério exatamente como nos filmes de terror. A essa altura eu já esperava os contos da Cripta ganhar vida bem na minha frente. Eu sentia de longe o cheiro de podre.

Saltei o muro, desesperado e ralei o joelho. Ao cair do outro lado, rolei pela calçada, mas rolei aliviado. O teor trágico havia desaparecido. Era como se eu tivesse saído do portal da morte.

Alcancei meu carro e entrei, ainda com o coração em pulos. O carro não quis ligar. Engatei a chave, tentei mais uma vez. Nada. Uma sombra atravessou a lataria do veículo. Tentei ligar o carro de novo.

Vai, merda! Vai! – eu gritava para mim mesmo.

Quando voltei os olhos para a janela, a figura de Sr. Oliveira me fez engolir o grito. Cheguei a sentir uma quentura no peito. Agora, era uma figura assustadora, semelhante ao meu pesadelo: sua pele ganhou tom cinza em um corpo esquálido; olhos enormes e vermelhos, pareciam duas bolas de sangue; nariz escondido pela boca exageradamente grande, meio Coringa, mas sem a cicatriz. O formato era de um triângulo, corrompendo a visão do queixo. Dentro da boca, apenas escuridão. Os braços pareciam longos, mãos grandes e dedos semelhantes à de um punhal.

Você gosta de surpresas? – perguntou ele mais uma vez, mas sem mexer a boca. A voz saía das trevas do seu interior.

O carro finalmente ligou e eu saí em disparada, totalmente em pânico.

Tentei pensar em qualquer coisa para não lembrar daquela figura macabra. Liguei o rádio do carro para ouvir uma linda canção romântica, mas esqueci que liguei minha playlist:


Oh, this guilt is a heavy cross

There is blood on the path I walk

And each step I take is haunting me!

Embraced by the darkness, I am losing the light!


Encircled by demons, I fight!...”
(Judas - Fozzy)


Desliguei, enquanto meus olhos insistiam em focar no retrovisor. Dois grandes faróis me perseguiam e sua luz aumentavam cada vez mais. Uma fumaça adentrou-se pelo chão, e eu já esperava o rádio ligar sozinho no Marilyn Manson. É quando um grito arrebata meus ouvidos, olho para trás e lá está a figura demoníaca, com uma fumaça tomando o lugar de suas pernas e um cheiro de enxofre exalando por todo o carro.

Desesperado, acelerei o carro pela estradinha perigosa. Eu podia ter uma chance, e não era ser morto por uma criatura que só eu via.

É quando sinto um fino corte na minha jugular que me faz tremer. Tentei estancar o sangue, enquanto mantinha a outra mão no volante. O sangue escorria, quente, sobre o meu corpo. A mão da criatura lembrava um punhal, eu disse isso em algum momento. E assim, furou meu olho fazendo jorrar o sangue no vidro. Meu desespero era gritante.

Você gosta de surpresas? – a voz assombrosa insistia no enigma.

Lembrei de como matei o Sr. Oliveira: vendei seus olhos e o empurrei do alto do 13º andar para encenar um suicídio. Era para ele se estatelar no asfalto ou, no mínimo, ser atropelado por um carro em uma cena cinematográfica. Mas não. Ele resolveu cair sobre a grade pontuda do muro, rasgando o pescoço no ferro e dando trabalho para ser retirado de lá.

Antes que eu perdesse mais um olho, acelerei meu carro de qualquer jeito. A criatura invadiu meu ponto de vista e enfiou aquelas garras em meu pescoço ferido. Urrei de dor, arranquei o grito entalado e finalmente perdi o controle do carro.

O sangue esguichava por todo o veículo, enquanto eu via tudo rodar. Ouvia buzinas estridentes, mas eu não já não podia fazer nada. Um baque e fui tomado pelo silêncio.

Ao abrir os olhos, pelo menos o que restou, consegui enxergar uma fagulha de luz vinda do céu. Eu fui arremessado para fora do carro, mas consegui ver o relógio funcionando nele perfeitamente. Faltava 1 minuto para meia-noite. Uma criatura farejante se aproximou. Era um cão preto, sem pelos e bem grande. Ao olhar para mim, seus olhos, que mais pareciam duas bolas de sangue, vinham em minha direção.

O cão sorria, um sorriso de escárnio, dentes afiados. Eu não gostava de surpresas…


* FIM *

Violência Urbana I - Capítulo 02 - Um Caso de Morte Literária

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CONTOS CONTEMPORÂNEOS DA VIOLÊNCIA URBANA


Antologia de
Vários Autores

Capítulo 02 de 09
"Um Caso de Morte Literária"
César Luís Theis


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Rio de Janeiro, 14 de fevereiro de 2018.

O despertador não parava de reclamar atenção, e não estava disposto a levantar, porém seus constantes protestos me impediam de pensar outra maneira de resolver o litígio. Mais uma manhã cinza, tomei um banho e depois o café, antes de sair escovei os dentes, a caminho do trabalho observava pela janela do carro, nada parecia diferente, o trânsito de sempre, os mesmos sinais fechados e as músicas repetidas tocando no rádio, um pensamento fugaz, outro dia cotidiano se anuncia.

Cheguei ao trabalho no horário costumeiro, deixei o carro no estacionamento, desembarquei e caminhei em direção a entrada da delegacia, ao me aproximar como habitualmente, investiguei o ambiente com um olhar, enquanto vinha em minha direção Mônica, nossa nova estagiária, estava agitada, passos apressados, seu intento era interceptar-me, parei e preparei o sorriso que acompanharia o bom dia, enquanto imaginava o motivo do seu desassossego, mas, ainda era incapaz de desvendar o mistério que envolvia seus motivos, intimamente pressentia que não se tratavam de boas notícias... e na cidade maravilhosa em plena quarta-feira de cinzas não havia mesmo como ser diferente.

Nem tive o tempo de cumprimentá-la, Mônica me recebeu com um - vamos chefe, temos outro - talvez aquela frase até fizesse sentido, afinal estes são tempos bárbaros, e este parecia outro dia cotidiano de trabalho, seguimos ao centro da cidade, chegamos precisamente às 9h18min, alcei um olhar ao local, em frente a um sobrado no número 1006 da rua do Ouvidor, que contrastava com as outras construções arquitetônicas daquela rua.

A rua é famosa... prostitutas, cafetões e traficantes, criaturas soturnas que se esgueiram sorrateiramente pelas sombras do centro da cidade, já havia investigado naquela vizinhança mais de uma dúzia de assassinatos, de modo que conhecia até alguns mendigos que perambulavam por aquela área da cidade.

Naquele momento, enquanto o olhar passeava pela extensão da rua uma cruel rememoração de sangue me veio a memória, o corpo do mendigo queimado embaixo do viaduto, a prostituta encontrada com a garganta dilacerada num beco escuro ali próximo, o bêbado esfaqueado em um bar na outra esquina, por que não tinha dinheiro para pagar a conta, e novamente o pensamento recursivo em ocorreu “estes são tempos bárbaros”.

Mas, fui chamado a realidade do ofício, inicialmente isolar a área, afastar os transeuntes curiosos, que sempre contaminam a cena de crime, também jornalistas, sedentos por uma foto para as famigeradas notícias do meio dia, e a presença da imprensa sempre complica a investigação em qualquer caso, e anteriormente, no caminho, Mônica havia me informado, se tratava de um famoso escritor.

Sempre avistava os repórteres rodeando como abutres a delegacia ou de plantão na porta do hospital a espera de alguma de qualquer desgraça, prontos a estampar em rede nacional o na capa dos famigerados jornais uma foto de um tiroteio ou de algum corpo... era sempre a mesma coisa, nós tentávamos encontrar vestígios que pudessem leva a prisão do criminoso, eles alardeavam qualquer bobagem pela audiência ou para vender jornal.

Subimos pelas escadas de um sovino corredor, as paredes revelavam rachaduras dos açoites do tempo, pelo chão lascas de tinta, entrei e enquanto cruzava a sala avistei o corpo, estava sentado em uma cadeira de madeira sem pintura, e de repente avistei a silhueta de um corpo em frente a máquina de escrever.

O corpo debruçado sobre a máquina, sem nenhuma folha de papel, o sangue que escorreu do furo na lateral da cabeça e depois por entre as teclas, manchou o canto da pilha de folhas sobre a escrivaninha, e seguindo fez leito a procura de destino, até formar uma poça... o odor é inconfundível, cheiro de sangue.

E como o prenúncio de um último insulto velado, o rosto estava coberto com uma máscara, me aproximei e enquanto me abaixava avistei, era o coringa, especificamente o tradicional joker das cartas de baralho. Embora aquela não era uma simples mascara, destas compradas em lojas de fantasias de carnaval, possuía um material de qualidade e acabamentos coloridos bem refinados, sem dúvida o material branco era porcelana, tinha adereços feitos de tecido e uma pintura colorida que guardava um estilo veneziano.

Continuei o escrutínio da cena, no centro o corpo mascarado debruçado sobre a máquina de escrever, os músculos rígidos, a pele pálida com tom amarelado-acinzentado, a cianose dos lábios e das unhas, o copo com uísque pela metade, a garrafa próxima a máquina de escrever ao alcance da mão direita, quase vazia, mostrando que ele era destro, não havia marca ao redor do copo, então bebia o uísque puro, pois se tivesse colocado gelo o suor das bordas do copo deixaria a marca circular na madeira da escrivaninha.

Na estante de madeira branca ao lado da escrivaninha inúmeros livros, a maioria com as capas desgastadas, porém, nenhum parecia ausente, definitivamente até a sequência dos volumes estava correta, ou alguém havia tido frieza suficiente para organizá-los ou aquele homem possuía hábitos metódicos, o que não seria algo muito incomum ao perfil de qualquer pessoa velha e solitária.

Curiosamente, embora nada parece faltar uma pequena imagem de nossa senhora estava em uma das prateleiras, solitária, parecendo contrastar com aquela sistemática arrumação, talvez uma pista, uma ação deliberada ou um descuido cotidiano de alguém contratado com a incumbência de faxinar a casa do escritor. A pequena imagem era...

E, fui interrompido, pelo legista, vinha removê-lo, confirmou a identidade, registrou a temperatura corporal, tirou várias fotos da cena e inclusive do revólver, preencheu o formulário padrão do relatório, então inesperadamente se virou e fez uma inflexão acintosa carregada de ironia quase jocosa, - é doutor, aparentemente este foi suicídio, acho que foi o último carnaval do coringa - propositadamente ao mesmo tempo me entregou a cópia carbonada do formulário com as informações pré-autopsia.

Nada me causava mais náuseas que a leviandade frente a morte, pois destes que se foram, nenhum eco de um grito poderá ressoar em resposta as zombarias dos que ainda vivem, contudo, nada é mais inexorável que um silêncio, ao menos para os que sabem ouvir!

Percebi que mesmo eu estava apático, afinal estes são tempos bárbaros, e nossa humanidade está constantemente sendo escamoteada, até o ponto da conformidade se transformar em indiferença... e por conseguinte até mesmo em um doentio escarnio com a brutalidade do mundo.

Mas, era a hora de recomeçar o trabalho investigativo, o perímetro da cena estava isolado, o corpo havia sido removido, as funções burocráticas cumpridas, geralmente preferia fazê-lo sozinho, afinal do que servem grilos falantes para quem quer resolver um enigma, Mônica meio a contragosto voltará para a delegacia, queria ficar, contudo, a voz de que precisava era do meu pensamento.

Precisava interrogar a cena, idear ser o próprio suicida ou assassino, conjecturar os passos pela casa, dimensionar as ações, pressupor os movimentos, talvez presumir motivos e finalmente prognosticar a conclusão, afinal são os detalhes que respondem à pergunta - o que aconteceu? - e sabia que logo o caso seria notícia na mídia e a delegacia ficaria cheia de repórteres e suas intermináveis perguntas.

Nenhuma solução é produzida pelo nada, na verdade tudo mais se assemelha a um quebra-cabeças, onde a intenção e o motor dos acontecimentos, que criam uma cadeia de eventos e apenas do que temos certeza é do ato final, o cadáver, porém, o realmente se precisa descobrir é a ordem no caos ou o caos na ordem... a peça que não se encaixa ou a sequência que por assim dizer era perfeita, e logo falsa, já que na vida cotidiano sempre existe certa causalidade nos eventos que não podem ser controlados.

No interior do sobrado a particularidade da dispersão da mobília, transmitia um sútil vazio melancólico, e me levou a examinar hipóteses sobre o inquilino, a indagação logo foi elucidada pelas memórias que emanam dos singulares objetos acumulados, provenientes de uma vida literária reclusa, resumida em uma prateleira de troféus, empoeirados, porém, nenhuma foto de família, detentor de um espalmado saldo bancário e um pequeno sobrado no número 1006 da rua do Ouvidor... e é claro, antes que esqueça, possivelmente de um revólver.

Abri uma gaveta da escrivaninha, apenas com alguns extratos de uma conta bancária minguada, provavelmente não seria uma tentativa de sequestro que acabou dando errada, era um escritor famoso, mas, aparentemente não rico, nenhuma marca na poeira sobre os móveis que pudesse indicar a ausência de qualquer objeto, o dinheiro estava na carteira, estes excluíam completamente a possibilidade de um assalto, os objetos dispostos e ordenadamente testemunhavam que não havia ocorrido uma briga recentemente naquele ambiente.

O copo de uísque era o único que não estava no lugar junto aos outros, a garrafa também tinha uma pequena camada de poeira, combinando como as outras junto aos copos do bar, que indicava que ele não havia saído para comprá-la, e que estava a um tempo considerável em casa, o que eliminava a possibilidade de alguém tê-lo visto pela vizinhança, também aparentava estar sozinho, pois não havia outro copo fora do lugar ou lavado.

Inicialmente nada indicava alterações na cena, a linha do tempo dos acontecimentos estava coerente, mas, a perfeição realmente é que mais consome as certezas em uma investigação, afinal somos humanos, nossa natureza é para descuidos, pequenos desastres ou até eventualmente algum azar, qualquer que seja a ordem no caos sempre compõe um indício para suspeitas.

Novamente procurei entre as folhas grudadas pelo sangue seco, algum bilhete, pois os suicidas, deixam suas revelações na escrita derradeira, afinal todos fazemos algum alto juízo sobre nós mesmos, sobre um elementar altruísmo no acaso do ato de viver, inventamos um compósito existencial heroico que se sobressai as comezinhas e incongruências do cotidiano da vida... e em caso de morte provocada a história precisa do ponto final.

Mas, só encontrei páginas de um manuscrito manchadas, ao lado esquerdo da máquina de escrever, no título - A História de um Escritor Personagem - que naquele momento acabou por me causar considerável avocação investigativa. Peguei-o e procurei no canto da sala onde sentar, pressentindo que deveria ler aquele manuscrito.

E, logo no primeiro capítulo fui surpreendido: Sim, suicidou-se, conto logo o final, pois não gosto de suspenses ou alimentar falsas expectativas, como estes tipos que ao escreverem escondem as verdadeiras intensões entre subterfúgios literários, assim como faz a sorrateira morte entre os mortais.

E agora que sabes do final, que tu decidas, se te convém saber dos motivos, pois depois da morte nada a dizer, só existe o eterno inexequível silêncio, então só resta anteceder, afinal não foi assim sem mais nem menos ou por falta de coisa melhor a fazer que tirou a própria vida... e também não poderia fazê-lo sem um preparo cuidadoso, pois ninguém quer errar no último ato da vida.

Estava abarcado entre a realidade de um suicídio... ou talvez um assassinato... e a ficção de uma obra literária, que de forma perfeita se sobrepunham incessantemente, as cores das paredes, os objetos, a disposição dos móveis, o ângulo dos raios de sol matinais que cruzavam a janela de vidro incidindo sobre os objetos da escrivaninha e produzindo uma singular trama de sombras no assoalho da sala, gradativamente me percebia aprisionado em um universo incomensurável de sucessivos déjà vis, a ponto de não saber, se as frases atribuíam sentido a realidade... ou os objetos e fatos que imanavam substancial materialidade ao entrecho ficcional da narrativa, permanecia alternando entre a condição de investigador, leitor, escritor e personagem.

Passadas das cinco horas ainda examinava atenciosamente as páginas finais do manuscrito, a procurava de uma pista ou prova contundente para a solução do caso, e entre as páginas encontrei uma peça do quebra-cabeça: “Posicionou displicente o revólver, o tambor estava completo, o dedo no gatinho, um último suspiro e o escarro fumegante da boca do revólver atravessou sua têmpora até parar na parede, o corpo em último movimento deitou-se sobre a velha máquina de escrever, que lhe ajudou a eternizar para a literatura algumas alegrias e as mordazes tristezas, desafetos, saudades e decepções da vida de escritor”.

Então conclui que o tiro deve ter produzido um estampido que ecoou entre as paredes para o estreito corredor e provavelmente chegou aos ouvidos de quem estivesse na calçada próximo ao sobrado, porém talvez ninguém transita-se naquela hora, pouco antes do amanhecer.

Então analisei não poderia ser a quarta-feira de cinzas data mais apropriada para pôr fim a uma vida, afinal realizará seu terminativo desejo de brincar o carnaval como se não houvesse amanhã, e para isso escolherá a mais apropriada das mascará ao enredo da trama mortal, o coringa, que as multifaces tão bem simbolizam quem passou a vida inteira na gangorra entre realidade e ficção, escritor e personagem.

Recoloquei o manuscrito sobre a escrivaninha, e com mais alguns passos me aproximei da janela de vidro, e entre as sombras da poeira e teias de arranha que se estendiam do lado de fora, avistei alguns pássaros brincando alheios em uma figueira, se empoleirando de um galho a outro, como quem procura um lugar certo, mas, sem a verdadeira pretensão de encontrar.

E este, talvez fosse a peça final, capaz de compor a realidade, não fora capaz de ajustar-se ao mundo, e entre tantos personagens talvez só estivesse a procurar por um “eu”, mas, desconexo do mundo não foi capaz de criar um que pudesse ser convincente... ou pela complexidade de sua essência ou pela natureza abreviada do talento de escritor.

Porém, na presença da morte, pouco da diáspora de uma existência pode ser abarcado em uma singular conjectura de palavras, neste ponto, nestes tempos bárbaros enquanto alguns morrem em silêncio entre o concreto e o aço dos prédios da cidade, outros seguem vivendo, e poucos que entre tantos, se é que estes existem encontraram um lugar neste mundo que possam dizer verdadeiramente ser seu... e nele viver.

Me afasto da janela, lanço uma última olhada para a história de uma existência que os objetos daquele sobrado registram, e nada há para reclamar ou lamentar, somente a resignação que o silêncio espraia, quando alguém sem encontrar lugar no mundo nega-se a viver nestes tempos bárbaros, e por vontade própria deixa este mundo a sua própria sorte.

E dando prosseguimento, pois o tempo deste mundo é absorto a vontade do narrador, e no momento que sai do sobrado no número 1006 da rua do Ouvidor, estava convicto, pelos vestígios e os motivos, se tratava de um suicídio, porém, meu escrutínio investigativo inda não conseguia elucidar outra questão... e enquanto descia pelas escadas do corredor uma inquietação acerca do título da obra me consumia, “a história de um escritor personagem”, seria o manuscrito o registro do intento de um escritor suicida... ou este suicídio foi um plágio literário?!?


Fim.

conto escrito por
César Luis Theis

produção
Bruno Olsen
Cristina Ravela



Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.

Violência Urbana I - Capítulo 03 - Um Ladrão de Doces

    0:00 min       VIOLÊNCIA URBANA     ANTOLOGIA LITERÁRIA
10:00 min    


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CONTOS CONTEMPORÂNEOS DA VIOLÊNCIA URBANA


Antologia de
Vários Autores

Capítulo 03 de 09
"Um Ladrão de Doces"
Fabiana Prieto


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Denúncias de brigas de vizinhos, furtos, algum acidente ocasional. Era mais um dia comum na rotina daquela delegacia, até a garotinha entrar pela porta. Não mais que uns cinco anos de idade, de uniforme e botas cor de rosa, seus cachinhos negros pulavam conforme ela se aproximava brava do balcão de atendimento.


— Moça, ô, moça! — ela chamou, batendo no balcão.


A policial que estava ali, distraída vendo documentos no computador, se surpreendeu ao ouvir a voz infantil e procurou por quem chamava até olhar para baixo e encontrar a criancinha.

— Olá. Em que posso ajudar, meu bem? — sorriu simpática. Procurou com o olhar o responsável pela menina, mas ninguém parecia tê-la acompanhado. Como uma garotinha chegara até ali sozinha?


— Eu vim fazer uma dena... denin... deníncia! — a criança falou com tanta convicção que a mulher se segurou para não rir, apesar da preocupação.


— E que “deníncia” a senhorita quer fazer? — perguntou enquanto mais policiais viam a cena e observavam.


— De rôbo! Meu amigo robô os meus doces!


Alguns não aguentaram e riram contidamente. Não dava para levar a sério uma coisinha tão fofa tentando parecer adulta. A policial tossiu para disfarçar o riso e entrou no clima.


— Certo, certo. Vamos registrar a sua ocorrência, venha comigo — ela deu a volta no balcão, pegou a menininha pela mão e levou-a para um local mais calmo na delegacia. — Qual o seu nome, querida?


— Angélica!


— Ok, Angélica — ela botou a criança sentada em um sofá de uma sala de espera. — Quero que fique aqui enquanto eu chamo um dos oficiais para te ouvir e registrar a sua “deníncia”, está bem?


— Tá bem! — a menina concordou mesmo sem entender muita coisa.


A policial a deixou ali e foi até o escritório de um dos oficiais de plantão. O investigador terminava de arquivar um caso quando ela bateu no vidro e abriu a porta.


— Tenho um caso pra você, Kayler — entrou após receber permissão.


— Qual caso? — ele perguntou sem tirar os olhos da papelada.


— Tem uma garotinha aqui querendo fazer uma denúncia de furto de doces.


O homem largou a pasta e a olhou com uma sobrancelha erguida.


— É sério isso?


— Sim. Ela veio até aqui sozinha e ninguém apareceu reclamando do sumiço de uma criança, pode tentar contatar os pais?


O investigador deu um suspiro e concordou com a cabeça.


— Traga-a aqui.


A policial assentiu e pouco depois surgiu com a garotinha e deixou-a com ele. Analisou rapidamente a menina, que parecia bem. Se não fosse o fato de ter chegado sozinha até ali, não diria que havia algo de errado com ela.


O homem sorriu, chamou gentilmente a criança mais para perto e ofereceu uma bala a ela, que aceitou alegre dando pulinhos e depois se sentou na cadeira enquanto comia o doce.


— Olá, eu sou o oficial Kayler, mas pode me chamar de Dênis. Qual o seu nome?


— Angélica!


— Oi, Angélica, pode me dizer como foi que você chegou aqui sozinha? ele puxou sua cadeira para perto da menina, pegou um papel e caneta, e fingiu anotar o que ela lhe contava.


— Eu fugi de casa e vim até aqui poqê queria fazer uma deníncia — ela explicou, tentando parecer mais madura enquanto balançava suas perninhas.


— O que aconteceu? — perguntou sério.


— Ele robô os meus doces! — a menina inflou as bochechas, indignada. Era uma gracinha.


Dênis fingiu um sorriso, sendo o mais paciente possível com a criança. Se a assustasse, seria difícil de fazê-la colaborar e descobrir o problema.


— E quem seria ele?


— O meu amigo! Ele disse que não me daria mais doces poquê eu não me compotei! Deve tê comido tudo sozinho! Tomara que tenha dô de barriga!


O oficial levara aquilo como uma brincadeira até aquele momento, mas agora as coisas começavam a ficar estranhas.


— E esse seu amigo... Quantos anos ele tem, Angélica?


— Eu não sei. Acho que a idade da mamãe — ela negou com a cabeça. — Quero água.


Dênis buscou para a menina e entregou o copo, esperando que ela bebesse antes de continuar.


— Onde está a sua mamãe?


— Em casa — ela respondeu, voltando a balançar as perninhas. — Ele disse que eu não posso vê ela poquê ela ta de castigo e disse que eu ficaria também se não me compotá. Aí quando eu sou boazinha ele me dá doces!


O homem se alarmou. Havia algo de muito errado naquela história e certamente a mãe da menina estava correndo perigo. Ele se levantou e fez um afago na cabeça da menina, sorrindo enquanto tentava lhe transmitir segurança para que ela não desconfiasse de nada.


— Angélica, pode deixar que eu vou resolver isso com o seu amigo, está bem? Você pode ficar aqui com a policial Filch por enquanto?


— Sim!


— Boa menina.


Dênis saiu da sala e chamou a oficial que atendera a garotinha.


— Tome conta dela para mim. Vou sair atrás de mais informações.


— O que houve?


— Parece um caso de prisão domiciliar. A mãe dela pode estar em perigo, mas não deixe que a menina saiba, entendeu? Fiquem em alerta, posso precisar de auxílio.


— Sim senhor — a mulher concordou, tensa, e o emprestou seu computador por um momento.


O oficial pesquisou rapidamente onde ficava a escola da menina, graças ao uniforme que ela vestia. Deixou a menina ali na delegacia sob o cuidado dos oficiais, entrou no carro e minutos depois chegou à instituição. Algumas crianças brincavam no pátio, inocentes e alheias ao que estava acontecendo. Preocupava-lhe não poder protegê-las por completo, era impossível sempre saber quando um perigo estava à espreita.


O homem caminhou até a secretaria e mostrou o instintivo para a recepcionista.


— Agente Dênis Kayler, 15º distrito. Gostaria de falar com o diretor da escola, por favor.


A mulher arregalou os olhos e concordou com a cabeça, preocupada.


— Algum problema, senhor Kayler? Aconteceu alguma coisa? — perguntou enquanto tirava o telefone do gancho e apertava o botão do ramal para a diretoria.


— É isso que quero descobrir — respondeu evasivo.


Depois de dado o recado, a moça o guiou até a sala correta. A diretora concordara em prontamente atendê-lo ao saber que o policial estava ali.


A mulher tremia enquanto o oferecia uma xícara de café, suando de nervoso. Nunca imaginara ter de receber um policial em sua escola e não sabia lidar muito bem com a situação.


— Em que posso ajudá-lo, oficial? Algo errado? Aconteceu algo com alguma criança nossa? — a diretora perguntou ansiosa.


— A senhora quem irá me dizer. — Ele tomou um gole do café. — Recebemos uma garotinha sem os pais em nossa delegacia. Seu nome é Angélica, tem cabelo preto encaracolado, olhos castanhos, aparentes cinco anos — ele respondeu e mostrou o celular, havia tirado uma foto da menina. — Poderia pegar a ficha dela para mim?


— Claro — a mulher se virou para o armário de ferro ao seu lado e começou a mexer nos papéis das gavetas. — Eu acho que sei de quem está falando. Recebi reclamações da professora dela.


— Que tipo de reclamações?


— O comportamento da Angélica anda estranho. Ela não faz as atividades e não responde nada quando perguntamos algo sobre sua família, chora quando se trata da mãe... — tagarelou. — Falando na mãe, essa nunca mais apareceu por aqui. Quem busca a garota agora é o namorado dela. Cara esquisito.


Aquilo sim eram informações úteis. E ainda mais preocupantes.


— Tem o endereço deles?


— Tenho sim. Aqui, encontrei, tome — a diretora falou e deu a ficha a ele.


Dênis apoiou a ficha sobre a mesa, anotou o endereço em seu bloco, depois devolveu os arquivos à mulher e a agradeceu.


— Caso se lembre ou saiba de mais alguma coisa, por favor, me contate. Qualquer informação pode ser importante — ele pediu e estendeu seu cartão.


A diretora assentiu e se despediu dele com um sorriso forçado. Dênis saiu dali e dirigiu direto para o endereço anotado. Era uma casa normal em uma vizinhança normal, de classe média alta. Nenhum sinal aparente de anormalidade. Ele desceu do veículo e caminhou até a entrada da residência.


— Aqui é a polícia, por favor, abra a porta! — exclamou.


Esperou por um tempo e chamou mais duas vezes, como não obteve resposta, sacou a arma, se pôs em posição e arrombou a porta com dois chutes. Entrou apontando a pistola para frente, verificando cômodo por cômodo, mas não havia ninguém. Os moradores pareciam ter saído às pressas.


Após vistoriar todo o primeiro andar, Dênis seguiu para o andar de cima. Encontrou o quarto da menina, além de uma suíte de casal e um banheiro comum. O quarto da garotinha parecia ter sido usado há pouco tempo, o que condizia com o que ela dissera sobre fugir de casa. Já no quarto do casal, as roupas da mulher estavam intocadas, mas havia algumas peças masculinas espalhadas pelo cômodo e pelo banheiro da suíte. De novo, sem sinal dos moradores.


O policial continuou a procurar, dessa vez seguindo para o sótão. O cômodo estava empoeirado e fora de uso como na maioria das casas. Só restava verificar o porão. Tornou a descer até o andar de baixo, abriu a porta do cômodo e acendeu a luz. Das escadas não era possível ver o que tinha ali. Com cuidado, desceu os degraus e o que viu o fez ter certeza que aquele era o local de um crime.


O porão mais parecia um cativeiro. O cheiro era terrível e o chão estava coberto de sujeira, havia também uma corda ensanguentada largada a um canto. A mãe de Angélica, no entanto, não estava lá.


O policial correu de volta para a viatura e emitiu o alerta.


— Encontrei um cativeiro no porão da casa, mas não havia mais ninguém, o desgraçado fugiu às pressas. Procurem pelo veículo da família, cartões, tudo o que conseguirem para descobrir quem é e onde esse desgraçado está! Temos que encontrá-los antes que seja tarde demais!


Depois disso, entrou em contato com a diretora da escola e pediu para que as pessoas que já o tivessem visto fossem até a delegacia para ser feito um retrato falado. Com a ajuda de outra funcionária da escola e das redes sociais, descobriram o nome do suspeito.


Com base naquilo, pesquisas foram feitas rapidamente sobre a família da menina e o suposto sequestrador. Descobriram que a mãe da criança recebera uma herança gorda do falecido marido há pouco mais de dois anos e que, desde alguns meses antes, fazia saques mensais, de um valor constante, porém mais alto do que as possíveis despesas que a família aparentava ter. Aquilo era um motivo perfeito para um aproveitador fazer uma mulher e sua filha de reféns.


Em alguns minutos conseguiram a placa do carro do meliante e, graças às câmeras de segurança, encontraram o veículo. O homem fizera um saque de limite máximo diário em um caixa 24h e fugira para a fora da cidade, possivelmente usaria o dinheiro para pagar algum hotel. O meliante não era um homem estúpido, depois que Angélica sumira ele sabia que viriam atrás dos pais negligentes e que isso o poria em maus lençóis.


A polícia não tinha muito tempo antes de perder seu rastro e ser tarde demais. Enviaram todas as viaturas próximas e o agente Kayler se juntou a eles em perseguição. Horas depois descobriram que o homem se hospedara em um motel de beira de estrada.


Já era noite quando os policiais fizeram um cerco no local. O recepcionista do estabelecimento, assustado, não resistiu à delatar qual fora o quarto alugado pelo bandido.


Os agentes correram até o local e se posicionaram para a operação. Dênis bateu na porta do apartamento com a arma em punho.


— Sabemos o que fez, senhor Wess. Abra a porta e libere a refém, agora!


— E o que eu ganho com isso?! — a voz masculina gritou de dentro.


— Se colaborar com a polícia, podemos reduzir a sua pena e lhe garantir a condicional — gritou em resposta.


— Eu não quero essa porcaria! Pode esquecer, eu não pretendo ser preso!


— O senhor vai ser preso de uma forma ou de outra, senhor Wess. Colabore conosco ou seremos obrigados a entrar à força!


— Tenta se quiser, policial! — o cara riu, sem sinal de que colaboraria. — Arrombem a porta e eu estouro os miolos dela!


Dênis cerrou os dentes, não podiam agir enquanto ele estivesse com a refém.


— O que quer para libertá-la? — tentou negociar. Odiava fazer aquilo, mas não tinha escolha, a prioridade no momento era libertar a mãe de Angélica.


— Quero dinheiro, um carro para cair fora daqui e a garantia que não vão atrás de mim!


“Esse cara só pode ser um imbecil” o oficial bufou. Até parece que ele conseguiria ir longe depois de fugir dali.


— Vai sonhando!


— Faça isso ou eu a mato! — o bandido exigiu.


— E fará o que depois? Acha que vai escapar? A única forma de sair daqui é preso ou morto!


O homem rosnou lá dentro e Dênis se alarmou ao ouvir o som do gatilho armado.


— Então eu vou morrer, mas vou levar mais alguém comigo!


No primeiro momento, os policiais acreditaram que Wess mataria a refém. No entanto, ao invés disso, a porta se abriu de sopetão e o homem saiu com a arma em punho, já atirando no primeiro que viu.


Dênis não teve tempo de reagir antes que os tiros o atingissem. Caiu baleado, urrando de dor. Estava com o colete à prova de balas, o que o protegeu de danos maiores, mas tomar alguns tiros no braço e um de raspão na cabeça não era nada agradável.


Fora de ação e caído no chão, o policial viu quando os demais atiraram de volta. Sem proteção, o seqüestrador caiu, abatido. Seus colegas passaram pelo corpo e invadiram o quarto do motel atrás da vítima. Por sorte, a mãe de Angélica não estava gravemente ferida.

Dênis estava aliviado ao ver a mulher viva, mas sabia que seu estado não era tão bom assim. Estava perdendo sangue muito rápido. Provavelmente o tiro atingira alguma veia importante do braço. Ele se recostou e mal sentiu quando um dos colegas se agachou ao lado e começou a improvisar um torniquete para estancar a hemorragia e ele poder aguentar até a chegada da ambulância. Antes que terminasse, sua visão ficou turva e ele desmaiou.


***


Layla sorria enquanto caminhava pelo hospital de mãos dadas com a menina. Tinha que andar pelos corredores ainda carregando o apoio do soro conectado à sua veia, mas valia a pena aquele pequeno incômodo. Angélica sorria e tagarelava com a mãe, enquanto a mulher pensava e dava graças a Deus pelo maldito namorado não ter feito mal algum à criança. Como fora idiota de se apaixonar por um desgraçado... Jurou internamente que nunca mais poria a filha em um perigo daqueles, mesmo que isso significasse nunca mais namorar.


As duas pararam diante de uma porta e Layla perguntou:


— É esse o quarto?


— Sim! — Angélica saltitou alegre.


Layla sorriu, abriu a porta e elas entraram. Havia um homem deitado na cama do hospital, que sorriu ao vê-las.


— Tio Dênis! — a garotinha gritou e correu até ele.


O oficial sorriu e afagou os cabelos dela. Por sorte nenhum tiro atingira partes vitais, apesar da grande perda de sangue. Alguns dias de molho e ele logo estaria pronto para voltar ao trabalho.


Dênis olhou para a mãe de Angélica e reparou no soro que ela trazia e nas ataduras que cobriam os pulsos e pescoço. Os ferimentos na carne não eram tão graves, mas ele sabia que o que ela passara a marcaria para o resto de sua vida. Por pouco aquela história tivera um final feliz.

— Viemos para agradecer a sua ajuda, oficial Kayler.


— Eu trouxe doces! — Angélica estendeu um saco generoso de guloseimas para ele.


Dênis riu e pegou com dificuldade por causa do braço ferido.


— Obrigado. Prometo que vou visitá-las e pagar todos esses doces que está me dando — falou para a menina.


— Obaaa! — a criança saltitou.


As duas ficaram ali por mais algum tempo e depois Layla levou a filha de volta, para deixá-lo descansar. Dênis sorriu e acenou enquanto as via ir embora. Quase perdera sua vida, mas realizara seu trabalho. Devolvera a mãe para uma garotinha.


E resolvera o caso do ladrão de doces.


Fim.


conto escrito por

Fabiana Prieto
produção
Bruno Olsen
Cristina Ravela


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.